segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
UMA PORTA NO PICO
Uma porta.
Perdida no meio da agreste paisagem, ali está como um convite ou uma recusa. Uma porta é entrada e saída, acolhimento e abandono, chegada e despedida. Quem a cruzou? Que fastos se viveram naquela casa? Que alegrias e desgraças se escondem para lá dos umbrais? Terá, por certo, saído dela um grito de júbilo com o nascimento de alguém, ou de dor, quando um caixão a transpôs a caminho da última morada (e ainda chamamos “morada” a um inóspito sítio fora da nossa casa). Com certeza, na sua soleira, dormia um cão, que saltava de alegria e se desfazia em latidos, quando o dono regressava das vinhas. E, nas noites de inverno, a ela chegavam os amigos para o serão, de lanterna acesa e cobertos de agasalhos: "Entrem, entrem, está um gelo aí fora!...”. Fechava-se a porta, enquanto o vento, vindo da montanha, assobiava melopeias por sobre o bramir do mar, ali bem perto. Se apurarmos o ouvido, talvez ainda ouçamos uma voz: “Era uma vez…”. Lembram-se dos contos tenebrosos que ouvíamos ao serão? Um dia, o último habitante deixou-a (ou levaram-no?) para trás e o Tempo, que tudo constrói e destrói, fez, como sempre, a sua obra.
Os mistérios que uma simples porta encerra…
Será que ela ficou ali apenas para nos mostrar que, mesmo quando parece que tudo ruiu, resta sempre um caminho para o sonho?
DOIS DRAGOEIROS EM SÃO MATEUS
Dois dragoeiros
Dois dragoeiros, junto ao caminho que vai dar ao porto de São
Mateus do Pico. Duas árvores que ostentam o seu garbo de séculos (quem diria?).
Já viram passar sucessivas gerações de homens. A voragem do tempo, que consome
tudo o que é vivo, parece não os afectar. Eles são a memória da Ilha. Em miúdo,
subi, como outros, aos seus ramos mais altos, nos quais alguns deixaram incisões
(nomes e
desenhos). Ficou esse registo, mas muitos do que o fizeram já se foram. Os
dragoeiros, porém, indiferentes a isso, persistem no seu desafio à morte.
Quando me abrigo à sua sombra, vêm-me à memória os tempos em que corria, solto e despreocupado, pelo caminho que os orla, na direcção da "Baixa", onde ía dar uns mergulhos. Ao mesmo tempo, estes dragoeiros agudizam-me, pelo constraste com a sua longevidade, o sentimento da finitude, a consciência de que breves são os dias que nos são concedidos neste mundo.
Quando me abrigo à sua sombra, vêm-me à memória os tempos em que corria, solto e despreocupado, pelo caminho que os orla, na direcção da "Baixa", onde ía dar uns mergulhos. Ao mesmo tempo, estes dragoeiros agudizam-me, pelo constraste com a sua longevidade, o sentimento da finitude, a consciência de que breves são os dias que nos são concedidos neste mundo.
BELEZA
Há quem corra o mundo em
busca da beleza. O mais provável é voltar de mãos a abanar, apenas com um
passaporte cheio de carimbos e nada mais (por certo, a arrotar importância, mas
isso é outro assunto). A beleza está ao alcance dos olhos que saibam
ver. Não é verdade, Eugénio?
«A BELEZA
Chovera. Que sorte ter nos meus olhos essa melancólica praça quase deserta, os oiros glaucos de Bellini espalhados pelas lajes molhadas e os verdes todos, do esmeralda ao musgo, escurecidos pela noite que se avista já de algumas mansardas. Porque a beleza, ou é esta entrega a quem de súbito a descobre, ou se esconde, cruel, a quem faz da sua procura uma perseguição de carniceiro».
(Eugénio de Andrade, "in" "Vertentes do Olhar")
Eugénio de Andrade, por José Rodrigues
«A BELEZA
Chovera. Que sorte ter nos meus olhos essa melancólica praça quase deserta, os oiros glaucos de Bellini espalhados pelas lajes molhadas e os verdes todos, do esmeralda ao musgo, escurecidos pela noite que se avista já de algumas mansardas. Porque a beleza, ou é esta entrega a quem de súbito a descobre, ou se esconde, cruel, a quem faz da sua procura uma perseguição de carniceiro».
(Eugénio de Andrade, "in" "Vertentes do Olhar")
Eugénio de Andrade, por José Rodrigues
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
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